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terça-feira, 16 de junho de 2009

Governo brasileiro lança proposta de abertura de arquivos do período militar

Proposta gera polêmica, para especialistas a medida não é revanchismo e sim um direito à informação
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Lucas Meloni

A ditadura deixou marcas na sociedade brasileira, essa passagem política foi uma das responsáveis pelo crescimento desmedido das desigualdades sociais, o aumento da corrupção em setores do governo, o atraso na produção cultural e na exposição de pensamentos críticos fundamentados. Na América do Sul, há outros países em que o regime ditatorial foi mais forte e realmente bem mais acrescentado ao aparelho governamental e destruídor, casos de Argentina e Peru. No Brasil, o momento mais crítico foi em 1968, quando foi decretado o AI5, ato imposto pelo então presidente Costa e Silva. Esse decreto tirou o direito político de muitos brasileiros, findou com julgamento judiciário independente e fechou as portas do Congresso Nacional.
Agora esse período da política brasileira pode ser pesquisado através dos documentos originais gerados à época. “Está aí a chance de nós entendermos mais a fundo esse período”, diz Francisco Moretto, professor em licença de história da rede estadual de ensino.
Nos últimos meses ganhou destaque a proposta de abertura de documentos desse período, são documentos restantes, pois alguns já foram abertos. Os documentos trariam à tona informações importantes de fatos ocorridos naquele momento. O clamor público tem pedido aos responsáveis por essa decisão para que os documentos sejam divulgados com rapidez. Porém, a abertura traz uma série de questões que precisam ser respondidas, “Quando se fala sobre arquivos militares, há questões que merecem destaque, é preciso levar em conta a política de anistia, a dor dos familiares que perderam alguém por causa do regime e as consequências que isso traria ao país hoje”, conta o professor Francisco Moretto.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, a abertura não pode ser feita de qualquer jeito. Afinal, há inúmeros jargões e termos desconhecidos pelo grande público, o que não facilitaria o acesso dessas pessoas às informações. Para Moretto, os arquivos precisariam ser seguidos por relatórios explicativos e contextualizados.
São muitos arquivos, alguns ainda precisam do aval da Justiça para que sejam divulgados. O plano do governo é estabalecer regras para o tratamento de informações sigilosas. Para isso, o presidente Lula Inácio Lula da Silva enviou no começo do mês de maio uma proposta para o congresso nacional que visa a divulgação dos documentos de forma moderada. A ideia principal da proposta é viabilizar informações importantes sobre crimes contra os direitos humanos cometidos durante os conhecidos “anos de chumbo”.
Já 24 anos depois do fim do período militar, o Brasil vive uma democracia e sob essa bandeira aparece o desejo de saber sobre aquele momento sem revanche aos idealizadores do golpe. “Sem revanchismo, é apenas uma forma de saber o que aconteceu no período, é desmistificar o que aconteceu na época”, diz o professor e coordenador de comunicação social da Universidade Paulista, Fernando Perillo, militante estudantil na época militar.
Sob o aspecto crítico, a divulgação desses arquivos é um avanço, resta saber o porque de eles serem expostos apenas agora e não logo após a abertura democrática em meados da década de 80. Segundo a arquivista do Arquivo Nacional, órgão do governo brasileiro responsável por cuidar de documentos importantes e relevantes para a sociedade, Carla Krause, os documentos esperam um tempo para ser divulgados. “Todo documento arquivístico produzido na área pública deve respeitar determinadas leis de classificação e temporalidade. Isso significa que há um tempo legal a ser respeitado antes da divulgação de documentos”, afirma a arquivista.
O tempo de espera para a divulgação de arquivos públicos dessa categoria no Brasil é de 30 anos, com possibilidade de renovação por mais 30. Todo material com marcação pública deve respeitar determinado tempo. Dentre os arquivos públicos, esses são os que têm o menor tempo de privação.
Porém, alguns arquivos já podem ser vistos pela população, eles estavam em propriedade do antigo DOPS, o Departamento de Ordem Política e Social, que era o órgão oficial do governo autorizado a oprimir e reprimir ações democráticas ou anarquistas. É possível acessar os arquivos através da internet, a forma mais viável e direta. Há programas de acesso à informação que já funcionam exatamente assim, como é o caso de “Memórias Reveladas – Centro de Referências de Lutas Políticas no Brasil”, uma parceria do governo federal com os Estados. Através de informações divulgadas pela imprensa à época e informações oficiais do governo, o “Memórias” proporciona aos interessados um retrato geral do que foi o período militar brasileiro. Para pesquisas e consultas aos arquivos e dados da época, o endereço eletrônico do centro é www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br. O centro está hospedado na própria página do Arquivo Nacional. Segundo informações do próprio centro, estão no ar em toda a rede cerca de 150 mil prontuários, 1,1 milhão de fichas e mais de 9 mil pastas de dossiês que já podem ser vistos.
Contudo, há documentos que nunca poderão ser analisados e interpretados porque foram destruídos ou simplesmente desapareceram. Para o professor Perillo, o teor da documentação que desapareceu era de informações sobre os diversos atos que os militares cometiam. “Acredito que eram referentes a prisões, desaparecimentos, mortes e atos corruptos. Com certeza eram coisas que os militares não gostariam que fossem divulgadas.”
Não se sabe ao certo a dimensão que a publicação das informações vai trazer ao presente político e social do Brasil, mas todo o cuidado é pouco e necessário. “Há fatos que podem impactar o país, sim, mas é um impacto que pode melhorar o cenário nacional”, diz Francisco Moretto.
A cidadania brasileira e o patriotismo são os valores que mais serão valorizados com a concretização da abertura dos arquivos. O Brasil ultrapassará o limite que divide os pequenos países que insistem em governos medíocres, autoritários e com liberdade e informações limitadas e será um país com uma jovem democracia que parte para a livre promoção da informação e respeito ao cidadão.


(LM)

Reportagem/Trabalho acadêmico apresentado à disciplina Produção de Texto Jornalístico